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01 janeiro 2011

Platão - O Mito da Caverna


SÓCRATES – Figura-te agora o estado da natureza humana, em relação à ciência e à ignorância, sob a forma alegórica que passo a fazer. Imagina os homens encerrados em morada subterrânea e cavernosa que dá entrada livre à luz em toda extensão. Aí, desde a infância, têm os homens o pescoço e as pernas presos de modo que permanecem imóveis e só vêem os objetos que lhes estão diante. Presos pelas cadeias, não podem voltar o rosto. Atrás deles, a certa distância e altura, um fogo cuja luz os alumia; entre o fogo e os cativos imagina um caminho escarpado, ao longo do qual um pequeno muro parecido com os tabiques que os pelotiqueiros põem entre si e os espectadores para ocultar-lhes as molas dos bonecos maravilhosos que lhes exibem.
GLAUCO - Imagino tudo isso.
SÓCRATES - Supõe ainda homens que passam ao longo deste muro, com figuras e objetos que se elevam acima dele, figuras de homens e animais de toda a espécie, talhados em pedra ou madeira. Entre os que carregam tais objetos, uns se entretêm em conversa, outros guardam em silêncio.
GLAUCO - Similar quadro e não menos singulares cativos!
SÓCRATES - Pois são nossa imagem perfeita. Mas, dize-me: assim colocados, poderão ver de si mesmos e de seus companheiros algo mais que as sombras projetadas, à claridade do fogo, na parede que lhes fica fronteira?
GLAUCO - Não, uma vez que são forçados a ter imóveis a cabeça durante toda a vida.
SÓCRATES - E dos objetos que lhes ficam por detrás, poderão ver outra coisa que não as sombras?
GLAUCO - Não.
SÓCRATES - Ora, supondo-se que pudessem conversar, não te parece que, ao falar das sombras que vêem, lhes dariam os nomes que elas representam?
GLAUCO - Sem dúvida.
SÓCRATES - E, se, no fundo da caverna, um eco lhes repetisse as palavras dos que passam, não julgariam certo que os sons fossem articulados pelas sombras dos objetos?
GLAUCO - Claro que sim.
SÓCRATES - Em suma, não creriam que houvesse nada de real e verdadeiro fora das figuras que desfilaram.
GLAUCO - Necessariamente.
SÓCRATES - Vejamos agora o que aconteceria, se livrassem a um tempo das cadeias e do erro em que laboravam. Imaginemos um destes cativos desatado, obrigado a levantar-se de repente, a volver a cabeça, a andar, a olhar firmemente para a luz. Não poderia fazer tudo isso sem grande pena; a luz, sobre ser-lhe dolorosa, o deslumbraria, impedindo-lhe de discernir os objetos cuja sombra antes via.
Que te parece agora que ele responderia a quem lhe dissesse que até então só havia visto fantasmas, porém que agora, mais perto da realidade e voltado para objetos mais reais, via com mais perfeição? Supõe agora que, apontando-lhe alguém as figuras que lhe desfilavam ante os olhos, o obrigasse a dizer o que eram. Não te parece que, na sua grande confusão, se persuadiria de que o que antes via era mais real e verdadeiro que os objetos ora contemplados?
GLAUCO - Sem dúvida nenhuma.
SÓCRATES - Obrigado a fitar o fogo, não desviaria os olhos doloridos para as sombras que poderia ver sem dor? Não as consideraria realmente mais visíveis que os objetos ora mostrados?
GLAUCO - Certamente.
SÓCRATES - Se o tirassem depois dali, fazendo-o subir pelo caminho áspero e escarpado, para só o liberar quando estivesse lá fora, à plena luz do sol, não é de crer que daria gritos lamentosos e brados de cólera? Chegando à luz do dia, olhos deslumbrados pelo esplendor ambiente, ser-lhe ia possível discernir os objetos que o comum dos homens tem por serem reais?
GLAUCO - A princípio nada veria.
SÓCRATES - Precisaria de algum tempo para se afazer à claridade da região superior. Primeiramente, só discerniria bem as sombras, depois, as imagens dos homens e outros seres refletidos nas águas; finalmente erguendo os olhos para a lua e as estrelas, contemplaria mais facilmente os astros da noite que o pleno resplendor do dia.
GLAUCO - Não há dúvida.
SÓCRATES - Mas, ao cabo de tudo, estaria, decerto, em estado de ver o próprio sol, primeiro refletido na água e nos outros objetos, depois visto em si mesmo e no seu próprio lugar, tal qual é.
GLAUCO - Fora de dúvida.
SÓCRATES - Refletindo depois sobre a natureza deste astro, compreenderia que é o que produz as estações e o ano, o que tudo governa no mundo visível e, de certo modo, a causa de tudo o que ele e seus companheiros viam na caverna.
GLAUCO - É claro que gradualmente chegaria a todas essas conclusões.
SÓCRATES - Recordando-se então de sua primeira morada, de seus companheiros de escravidão e da idéia que lá se tinha da sabedoria, não se daria os parabéns pela mudança sofrida, lamentando ao mesmo tempo a sorte dos que lá ficaram?
GLAUCO - Evidentemente.
SÓCRATES - Se na caverna houvesse elogios, honras e recompensas para quem melhor e mais prontamente distinguisse a sombra dos objetos, que se recordasse com mais precisão dos que precediam, seguiam ou marchavam juntos, sendo, por isso mesmo, o mais hábil em lhes predizer a aparição, cuidas que o homem de que falamos tivesse inveja dos que no cativeiro eram os mais poderosos e honrados? Não preferiria mil vezes, como o herói de Homero, levar a vida de um pobre lavrador e sofrer tudo no mundo a voltar às primeiras ilusões e viver a vida que antes vivia?
GLAUCO - Não há dúvida de que suportaria toda a espécie de sofrimentos de preferência a viver da maneira antiga.
SÓCRATES - Atenção ainda para este ponto. Supõe que nosso homem volte ainda para a caverna e vá assentar-se em seu primitivo lugar. Nesta passagem súbita da pura luz à obscuridade, não lhe ficariam os olhos como submersos em trevas?
GLAUCO - Certamente.
SÓCRATES - Se, enquanto tivesse a vista confusa -- porque bastante tempo se passaria antes que os olhos se afizessem de novo à obscuridade -- tivesse ele de dar opinião sobre as sombras e a este respeito entrasse em discussão com os companheiros ainda presos em cadeias, não é certo que os faria rir? Não lhe diriam que, por ter subido à região superior, cegara, que não valera a pena o esforço, e que assim, se alguém quisesse fazer com eles o mesmo e dar-lhes a liberdade, mereceria ser agarrado e morto?
GLAUCO - Por certo que o fariam.
SÓCRATES - Pois agora, meu caro Glauco, é só aplicar com toda a exatidão esta imagem da caverna a tudo o que antes havíamos dito. O antro subterrâneo é o mundo visível. O fogo que o ilumina é a luz do sol. O cativo que sobe à região superior e a contempla é a alma que se eleva ao mundo inteligível. Ou, antes, já que o queres saber, é este, pelo menos, o meu modo de pensar, que só Deus sabe se é verdadeiro. Quanto a mim, a coisa é como passo a dizer-te. Nos extremos limites do mundo inteligível está a idéia do bem, a qual só com muito esforço se pode conhecer, mas que, conhecida, se impõe à razão como causa universal de tudo o que é belo e bom, criadora da luz e do sol no mundo visível, autora da inteligência e da verdade no mundo invisível, e sobre a qual, por isso mesmo, cumpre ter os olhos fixos para agir com sabedoria nos negócios particulares e públicos.

Extraído de "A República" de Platão . 6° ed. Ed. Atena, 1956, p. 287-291


História da Filosofia Antiga – Johannes Hirschberger
ε) Mito da caverna de Platão

— Platão explicou muito claramente os seus pensamentos sobre a verdade e a realidade pelo célebre Mito da caverna, no 7.º livro da República (514 ss.).

αα)    Modos de ser.

— Conosco homens, aí se diz, se passa o  mesmo que com prisioneiros, que se achassem numa caverna subterrânea, encadeados, desde o nascimento, a um banco, de modo a nunca poderem voltar-se, e assim só poderem ver a parrede oposta â entrada. Por detrás deles, na entrada da caverna, corre por toda a largura dela, um muro, da altura de um homem: e. por trás deste, arde uma fogueira. Se entre esta e o muro passarem homens transportando imagens, estátuas, figuras de animais, utensílios etc, que ultrapassem a altura do muro, então as sombras desses objetos, que o fogo faz aparecerem, se projetam na parede da caverna, e os prisioneiros também percebem, além da sombra, o eco das palavras pronunciadas pelos homens que passam. Como esses prisioneiros nunca perceberam outra coisa senão as sombras e o éco, têm eles essas imagens pela verdadeira realidade. Se eles pudessem, por uma vez, voltar-se e contemplar, á luz do fogo, os próprios objetos, cujas sombras foram apenas o que  até  agora viram;   e  se pudessem  ouvir   diretamente  os uns,  além dos ecos até então ouvidos,  sem dúvida ficariam atônitos com essa nova realidade. Mas se além disso pudessem, fora da caverna e à luz do sol, contemplar os próprios homens vivos, bem como os animais e as coisas reais, de que as figuras projetadas na caverna eram apenas cópias, então ficariam de todo fascinadas com essa realidade de forma tão diversa. Mas, se contarem aos prisioneiros, que permaneceram na caverna, que o que eles ouvem e vêem não é a legítima e verdadeira, realidade, por certo não o acreditariam eles e acabariam por zombar dos primeiros. E, se porventura alguém tentasse libertar os prisioneiros e trazê-los à luz do verdadeiro mundo,   isso  também  poderia   custar-lhes  a  vida.

ββ) O verdadeiro ser.

— E, contudo, é necessário que saiam da caverna as prisioneiros. É dever primário do filósofo libertar o homem do mundo das aparências e das imagens, e conduzi-lo à visão do verdadeiro ser. Este verdadeiro ser não é, por certo, o chamado inundo real, espácio-temporal, iluminado pelo sol da terra. Este é apenas uma cópia. O verdadeiro mundo real é somente o ‘ das Idéias. Uma primeira \ cópia dele, correspondente aos objetos projetados na parede da caverna, é o inundo espácio-temporal. Uma cópia deste último grau do ser e, então, propriamente, cópia de uma cópia, correspondente à sombra na muralha, é o mundo da imitação.

γγ) "Hypothesis".

— O âmago de toda esta comparação é não somente o pensamento de que há diferentes planos de seres, mas o outro pensamento, de que, aqui, um plano repousa sobre o outro: a realidade das sombras se apoia no ser espácio-temporal do mundo físico real; este, por sua vez, descansa no ser ideal. Aquilo sobre o que uma coisa repousa e somente mediante isto ela pode ser pensada e ter existência, é, para Platão, um "pressuposto" (υποθησιζ), i. é, um ser que deve começar por ser posto, para que mais um outro ser deva. existir. Para Platão, hipótese (υποθησιζ) também significa, muitas vezes, uma proposição aceita provisoriamente; mas na sua antologia hipótese é o fundamento do ser. Se há um ανυποθετον, há também um υποθετον e há υποθεσειζ. A idéia é, aqui, o mais importante.


ζ) O absoluto.

— O pensamento da hipótese não se limita à relação dos planos do ser entre si, mas se refere à relação das Idéias umas para com as outras (Rep. 509 ss.). Há Idéias subordinadas, que são pendentes das sobreordenadas, que lhes servem de fundamento e de suporte. Mas sempre várias Idéias subordinadas têm, nas suas superiores, a sua pressuposição e o seu fundamento; e dessas Idéias sobreordenadas, por sua vez, várias se fundem em Idéias ainda mais amplas e altas. Donde, como numa árvore genealógica, as Idéias que servem de suporte às outras tornam-se cada vez menos numerosas, mas por isso mesmo de maior virtude, pela sua mais vasta extensão e compreensão. E, assim, chegamos finalmente ao vértice da pirâmide, á Idéia das Idéias, donde todas as outras dependem, pois ela, abrangendo-as a todas, também as funde todas em si.

αα) A Idéia das Idéias.

— Como o Sol, no reino das coisas visíveis, empresta a todas elas o ser, a vida e a cognocibilidade, assim, no reino do invisível, a Idéia das Idéias também empresta a todos os seres a sua essência e a sua cognoscibilidade. Mas, ela mesma de nada depende. É o absoluto (ανυποθετον: Rep. 510 b; 511b), auto-suficiente (ιχανον: Fédon, 101 e).

http://www.consciencia.org/resumo-do-mito-da-caverna-de-platao-historia-da-filosofia-antiga


 


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