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01 janeiro 2011

MARIA MONTESSORI E A PEDAGOGIA CIENTÍFICA


Trabalho sobre a Dra. Maria Montessori,
 para fins de obtenção de crédito na disciplina
 Filosofia da Educação, do 1º semestre do
 curso de Pedagogia.
Orientador: Professor Nestor José Guerra.
CRIAÇÃO E FORMATAÇÃO:
Edna Molina
UNIVERSIDADE BRAZ CUBAS
MOGI DAS CRUZES
2010

INTRODUÇÃO:

“Quem já experimentou o prazer da colheita,
mais fruirá o fascínio oculto da semeadura.”
 ~Maria Montessori~


Dentro dos meus limites de conhecimento, acerca de psicologia, antropologia e pedagogia, quando na verdade ainda tenho muito por aprender, apresento este trabalho. Na minha concepção apenas um ensaio, que o meu professor, em sua generosidade há de considerar quiçá, com alguma nota. Pesquisei Maria Montessori, esta fascinante e espetacular educadora, que enquanto filha única, teve uma ousadia transgressora para o seu tempo sócio-cultural-político-científico, indo contra a família, em busca dos seus ideais, numa época em que a sociedade nem se reconhecia como tal, em que conceitos como cidadania, humanização, estavam longe de serem assimilados; o que por si só,  já demonstra qualidades como firmeza de caráter e resolução incontestáveis. Em seguida, não satisfeita, afrontou a sociedade educacional estabelecida, reagindo através das suas demonstrações e criando métodos, para transformar e gerar mudanças, às quais fariam com que nada jamais voltasse a ser o que era antes, para satisfação e crescimento dos educadores da atualidade.
No tópico “Vida” exponho um resumo de sua biografia. Logo após será o tópico “Idéias” : uma resenha baseada em sua obra Pedagogia Científica e conferências pela paz, que ela foi convidada a realizar durante o pós-guerra, onde fala de paz, homem e sociedade, neste mesmo tópico cito algumas características do seu método e depois, os doze “Aspectos Básicos” do Método Montessori, em seguida, relato suas obras, expresso minhas conclusões e no anexo, inseri ilustrações de alunos utilizando os materiais de apoio criados por ela.

1. Vida:

Maria Montessori nasceu em Chiaravalle, Província de Ancona, no norte da Itália, em 31 de agosto de 1870. Educadora italiana, médica e feminista, filha única de Alessandro Montessori e Renilde Stoppani, um casal de classe média. Desde menina manifesta interesse pelas matérias científicas, principalmente matemática e biologia, embora seus pais possuíssem o desejo que ela seguisse a carreira de professora.

Indo contra as expectativas familiares, ela se inscreve na Faculdade de Medicina da Universidade de Roma, escolha que a levou a ser, em 1896, a primeira mulher a se formar em medicina na Itália. Após sua formatura, iniciou um trabalho com crianças com necessidades especiais na clínica da universidade, vindo posteriormente dedicar-se a experimentar em crianças sem comprometimento algum, os procedimentos usados na educação dos que tinham comprometimento.

Ela percebeu que meninos e meninas proscritos da sociedade por serem considerados ineducáveis, respondiam com rapidez e entusiasmo aos estímulos para realizar trabalhos domésticos, exercitando as habilidades motoras e experimentando autonomia. Em pouco tempo, a atividade combinada de observação prática e pesquisa acadêmica levou a médica a experiências com as crianças ditas normais. Montessori graduou-se em pedagogia, antropologia e psicologia e pôs suas idéias em prática na primeira Casa dei Bambini (Casa das crianças), aberta numa região pobre no centro de Roma. A esta se seguiram outras em diversos lugares da Itália. O sucesso das "casas" tornou Montessori uma celebridade nacional. Em 1922 o governo a nomeou inspetora-geral das escolas da Itália. Com a ascensão do regime fascista, porém, ela decidiu deixar o país em 1934. Continuou trabalhando na Espanha, no Ceilão (hoje Sri Lanka), na Índia e na Holanda, onde morreu aos 81 anos, em 1952. Responsável pela criação do método Montessori de aprendizagem, composto especialmente por um material de apoio em que a própria criança (ou usuário) observa se está fazendo as conexões corretas.

2. Idéias:

Uma médica, que se interessou pela educação. Maria Montessori, uma das precursoras da educação pré-escolar e do movimento da Escola Nova, em oposição aos métodos tradicionais que não respeitavam as necessidades e os mecanismos evolutivos do desenvolvimento da criança; quando tomava conta da sociedade, a tendência humanista moderna, que aconteceu concomitante ao pós-guerra (segunda guerra mundial). Uma pedagoga que marcou a história da educação, ao criar paradigmas na educação infantil. Desenvolveu a "Pedagogia Científica", através de observação científica dirigida e não meramente baseada no empirismo primário. Ela percebeu, através da convivência e observação de crianças com deficiências de variados tipos, que poderia atuar junto às crianças ditas normais, focando o aprendizado na vontade e atenção; promovendo assim, a motivação necessária à educação infantil daquela época. Com princípios fundamentais como atividade, a individualidade e a liberdade.

Ela criou o que chamou de Educação Cósmica, para despertar sentimentos de cooperação, de respeito, e de amor em relação à natureza e ao cosmos. Segundo Montessori, a mente humana tem poderes mágicos, é um agente criativo e transformador. Em seus livros, ela fala sobre os povos antigos, a criação da terra, a educação natural e as mitologias. Na pós-segunda guerra mundial, ela observava que a sociedade não preparava o homem para uma vida de cidadão, o que imperava era o individualismo, a competição, onde o coletivo e a cooperação não existiam. Ela achava que a humanidade precisava assumir o controle do progresso para dar um sentido a vida.

No seu livro “Educação para a Paz, ela conta que “numa época de especialização, pediam para ela falar de paz”. Quando conceitos de higiene são antiquados, doenças proliferam, mas o homem finalmente começa a entender, que é preciso ter alimentação saudável para manter-se imune às moléstias. Por outro lado, no domínio moral não houve avanços. O que existe é uma ambição desmedida, vício da cobiça, preguiça, prazeres com raízes nos vícios. Tem-se a peste, a tuberculose, a paralisia moral, uma obscuridade sufocante e a desordem moral, é um dos aspectos do declínio psíquico, por que gera a perda de poder do raciocínio. Para restabelecer o ser humano adulto, é necessário começar pela criança, acreditar na criança como num messias, por que ela é um indivíduo, com personalidade própria e a sua dignidade precisa ser assegurada. Devemos criar o partido social da criança, dar a elas direitos de proteção e condições de sobrevivência. Numa de suas conferências, Montessori falou em "Ciência da PAZ". Disse que os “valores para se construir uma PAZ necessária são: capacidade de cooperar com o outro, espírito crítico, sentido de compromisso, percepção aguçada da unidade e da diversidade simultânea do mundo. A PAZ não é o resultado de negociações, a paz começa por uma construção de harmonia entre a criança e o adulto". Por isso ela queria criar uma educação que possibilitasse “o desenvolvimento do que há de melhor em cada indivíduo, abandonando a priorização da posse material, de modo que, ao estar bem consigo mesmo, o indivíduo possa conviver melhor com os demais, respeitando as diferenças”.
Uma das suas premissas era que “é sempre necessário dar a criança um trabalho para ela fazer com as mãos, enquanto trabalha com a cabeça porque a personalidade da criança tem uma unidade funcional.” Baseada nesta premissa, parte do seu método, consiste em fazer com que o aluno, parta do concreto para ao abstrato, uma vez que ela acreditava que as crianças, aprendem melhor pela experiência direta de procura e descoberta.

Em função disso, ela criou jogos diversificados, para ensinar os diferentes conteúdos de tamanho, forma, cor, textura, peso, cheiro e barulho, entre outros, citados no anexo deste trabalho.
O que escolhi para falar aqui é atualmente bem difundido, inclusive na rede estadual paulista. É comumente chamado de “Material Dourado”, que consiste em barrinhas de madeira, que são divididas em unidade, dezena e centena, para ensinar o SNI (Sistema de Numeração Decimal.), entre muitos outros. O "Material Dourado" desperta no aluno a concentração e o interesse, além de desenvolver a inteligência e a criatividade.

Ela ensinava que tudo que rodeia o mundo infantil, deve acompanhar o tamanho dos pequenos: os utensílios, cadeiras, mesas, porque isso elimina sua dificuldade em se movimentar, tornando a criança bastante prestativa, e por sua vez seu caráter muda, ela se torna mais calma e capaz de se concentrar.

Ao ensinar, o adulto precisa ser criterioso em seu plano de aula, e todo o ambiente deve ser preparado especialmente para aquela aula, o tempo necessário para cada tarefa, será aquele em que a criança é capaz de desenvolver seus trabalhos, deve haver respeito quando ao tempo de cada uma. A aula precisa ser estimulante e os conteúdos de acordo com a faixa etária, pois é necessário estimular seu interesse. A cada fase da criança ela tem um tipo de interesse diferente.

Segundo Montessori, não será somente através da cultura, que elevaremos o nível da humanidade, também é necessário um ambiente social, adequado e reformas sociais e educacionais.

2.1 Doze Aspectos Básicos do Método Montessori:

1.         Baseia-se em anos de paciente observação da natureza da criança.
2.         Mostrou que tem uma aplicação universal. Quase todo país civilizado comprovou, com satisfação, sua aplicabilidade: clima, cor, nacionalidade, segmento social, cultura, religião, nada impediu sua aplicação com êxito.
3.         Revelou a criança pequenina como um amante do trabalho, do trabalho intelectual, escolhido espontaneamente e concluído com muita alegria.
4.         Está baseado na necessidade imperiosa que tem a criança de aprender fazendo. Em cada etapa do crescimento mental da criança surgem ocasiões correspondentes graças às quais desenvolve suas faculdades.
5.         Se oferecemos à criança o máximo de espontaneidade, isso o capacita a alcançar nível adequado à sua fase, e até mesmo um superior que não seria capaz numa forma “antiga” de educação.
6.         Prescinde da necessidade de coação mediante recompensas e castigos. Chega a uma disciplina maior do que sob a forma antiga de educação; trata-se de uma disciplina que tem sua origem dentro da criança e não é imposta de fora.
7.         Está baseado num profundo respeito à personalidade da criança, deixando-lhe um espaço para crescer em sua independência biológica. Daí permitir à criança uma ampla margem de liberdade para agir, o que constitui a base da disciplina real.
8.         Permite ao professor atender cada criança nos assuntos de estudo, a guiá-lo de acordo com suas necessidades individuais.
9.         Cada criança trabalha segundo seu ritmo. Por isso a criança rápida não se vê esperando pelo lento, nem este tendo que alcançar o primeiro. Não se vê a criança ter que dar saltos sem esperança. Cada pedra do edifício mental está bem colocada e com exatidão, antes que outra seja colocada.
10.       Prescinde do espírito de competição e de seu séqüito de resultados perigosos. A cada momento se oferece às crianças muitas oportunidades para uma ajuda mútua – que é oferecida com alegria e recebida gostosamente.
11.       Já que a criança trabalha partindo de sua livre escolha, sem competição ou coerção, está isenta do dano do excesso de pressão, de sentimentos de inferioridade e de outras experiências que são capazes de ser a causa de desordens mentais profundas mais adiante em sua vida.
12.       Finalmente, o método desenvolve em totalidade a personalidade da criança, não exclusivamente as faculdades intelectuais, mas também, sua capacidade de deliberação, iniciativa e escolha independentes, juntamente com seus atributos emocionais. Vivendo como um membro livre de uma comunidade social real, a criança se prepara nessas qualidades sociais fundamentais que constituem a base da boa cidadania.
Obras publicadas:
MONTESSORI, Maria Pedagogia científica: a descoberta da nova criança. Editora Flamboyant, 1965.
MONTESSORI, Maria A Criança. Editorial Nórdica Ltda., 1983.
MONTESSORI, Maria Mente Absorvente. Editorial Nórdica Ltda., 1987
MONTESSORI, Maria Para Educar o Potencial Humano. Papirus Editora, 2003
MONTESSORI, Maria A Educação e a Paz. Papirus Editora, 2004

Trabalhos sobre Maria Montessori:

KRAMER, Rita; Maria Montessori, A Biography. Capricorn Books; 1976
STANDING, E.M.La Revolución Montessori en la Educación. Siglo Veitiuno Editores; 1978
RÖHRS, Hermann. Maria Montessori. Artigo publicado em Prospects, Paris, UNESCO, vol. XXIV, 1994

Site criado para perpetuar o trabalho de Maria Montessori:

ASSOCIATION MONTESSORI INTERNACIONALE: http://www.montessori-ami.org/

CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Uma mulher admirável, médica e educadora dedicada, vivendo em tempos de misérias variadas: afetivas, econômicas, morais, educacionais. Miséria acarreta desrespeito, que acarreta miséria.
Criou um método científico, percebendo que existia a necessidade premente, na época, de uma revolução na área da educação.
Imbuída dos seus próprios valores humanos elevados, seus recursos advindos do estudo em áreas pertinentes, carregando muito amor em seu coração e transpondo este amor e generosidade, trabalhou junto às crianças, que eram completamente desconsideradas enquanto seres humanos.
Montessori fez com que a escola desse um salto qualitativo, rumo à humanização do ensino e no diz respeito à liberdade, em oposição as opressões vigentes em sem tempo. Para muito além do método, seu legado nos deixou o conhecimento de que, para ensinar é preciso observar com os olhos do coração, além de aguçada inteligência.
Recomendo o estudo do Método Montessori para entendimento da sociedade da época, não só da transição da escola tradicional para a Escola Nova, como para educadores interessados em metodologia a ser utilizada, por crianças com ou sem necessidades especiais, mas que apresentam desenvolvimento atípico durante a alfabetização. Igualmente, o método Montessori poderá ser utilizado em quaisquer escolas que se identifiquem com a maneira montessoriana de ensinar, uma vez que são inúmeras as entidades que o adotam, com sucesso, na atualidade.
Edna Molina, 01/05/2010.


BIBLIOGRAFIA:

MONTESSORI, Maria Pedagogia científica: a descoberta da nova criança. Editora Flamboyant, 1965.
OLIVEIRA-FORMOSINHO, Júlia; KISHIMOTO, Tizuko Morchida; PINAZZA, Mônica Apezzato (Orgs.).Pedagogias(s) da infância: dialogando com o passado: construindo o futuro. Porto Alegre: Artmed, 2007.
Revista Nova Escola: http://revistaescola.abril.com.br/historia/pratica-pedagogica/medica-valorizou-aluno-423141.shtml, acesso em 01 de maio de 2010.
Clube do Professor: http://www.clubedoprofessor.com.br/recursos/teorias/, acesso em 01 de maio de 2010.
Rede Pitágoras:      http://www.redepitagorasmaster.conexaopitagoras.com.br/CF//antenado/especiais/montessori/basescientificas.htm, acesso em 01 de maio de 2010.
Imagens: http://images.google.com.br/imgres?imgurl=http://www.aprendebrasil.com.br/userdata/glossariopedagogicoAB/imagens/Montessori.jpg&imgrefurl=http://www.aprendebrasil.com.br/glossariopedagogico/verbete.asp%3FidPubWiki%3D9634&usg=__SWJ0_OSiNv-5v37D4hNYbqURlJ8=&h=878&w=800&sz=130&hl=pt-BR&start=1&itbs=1&tbnid=xZz7AKbgzYZU-M:&tbnh=146&tbnw=133&prev=/images%3Fq%3DMontessori%2Bfotos%26hl%3Dpt-BR%26lr%3D%26sa%3DX%26tbs%3Disch:1, acesso em 01 de maio de 2010.

ANEXO - A

lustrações do livro: Pedagogia Científica.



Platão - O Mito da Caverna


SÓCRATES – Figura-te agora o estado da natureza humana, em relação à ciência e à ignorância, sob a forma alegórica que passo a fazer. Imagina os homens encerrados em morada subterrânea e cavernosa que dá entrada livre à luz em toda extensão. Aí, desde a infância, têm os homens o pescoço e as pernas presos de modo que permanecem imóveis e só vêem os objetos que lhes estão diante. Presos pelas cadeias, não podem voltar o rosto. Atrás deles, a certa distância e altura, um fogo cuja luz os alumia; entre o fogo e os cativos imagina um caminho escarpado, ao longo do qual um pequeno muro parecido com os tabiques que os pelotiqueiros põem entre si e os espectadores para ocultar-lhes as molas dos bonecos maravilhosos que lhes exibem.
GLAUCO - Imagino tudo isso.
SÓCRATES - Supõe ainda homens que passam ao longo deste muro, com figuras e objetos que se elevam acima dele, figuras de homens e animais de toda a espécie, talhados em pedra ou madeira. Entre os que carregam tais objetos, uns se entretêm em conversa, outros guardam em silêncio.
GLAUCO - Similar quadro e não menos singulares cativos!
SÓCRATES - Pois são nossa imagem perfeita. Mas, dize-me: assim colocados, poderão ver de si mesmos e de seus companheiros algo mais que as sombras projetadas, à claridade do fogo, na parede que lhes fica fronteira?
GLAUCO - Não, uma vez que são forçados a ter imóveis a cabeça durante toda a vida.
SÓCRATES - E dos objetos que lhes ficam por detrás, poderão ver outra coisa que não as sombras?
GLAUCO - Não.
SÓCRATES - Ora, supondo-se que pudessem conversar, não te parece que, ao falar das sombras que vêem, lhes dariam os nomes que elas representam?
GLAUCO - Sem dúvida.
SÓCRATES - E, se, no fundo da caverna, um eco lhes repetisse as palavras dos que passam, não julgariam certo que os sons fossem articulados pelas sombras dos objetos?
GLAUCO - Claro que sim.
SÓCRATES - Em suma, não creriam que houvesse nada de real e verdadeiro fora das figuras que desfilaram.
GLAUCO - Necessariamente.
SÓCRATES - Vejamos agora o que aconteceria, se livrassem a um tempo das cadeias e do erro em que laboravam. Imaginemos um destes cativos desatado, obrigado a levantar-se de repente, a volver a cabeça, a andar, a olhar firmemente para a luz. Não poderia fazer tudo isso sem grande pena; a luz, sobre ser-lhe dolorosa, o deslumbraria, impedindo-lhe de discernir os objetos cuja sombra antes via.
Que te parece agora que ele responderia a quem lhe dissesse que até então só havia visto fantasmas, porém que agora, mais perto da realidade e voltado para objetos mais reais, via com mais perfeição? Supõe agora que, apontando-lhe alguém as figuras que lhe desfilavam ante os olhos, o obrigasse a dizer o que eram. Não te parece que, na sua grande confusão, se persuadiria de que o que antes via era mais real e verdadeiro que os objetos ora contemplados?
GLAUCO - Sem dúvida nenhuma.
SÓCRATES - Obrigado a fitar o fogo, não desviaria os olhos doloridos para as sombras que poderia ver sem dor? Não as consideraria realmente mais visíveis que os objetos ora mostrados?
GLAUCO - Certamente.
SÓCRATES - Se o tirassem depois dali, fazendo-o subir pelo caminho áspero e escarpado, para só o liberar quando estivesse lá fora, à plena luz do sol, não é de crer que daria gritos lamentosos e brados de cólera? Chegando à luz do dia, olhos deslumbrados pelo esplendor ambiente, ser-lhe ia possível discernir os objetos que o comum dos homens tem por serem reais?
GLAUCO - A princípio nada veria.
SÓCRATES - Precisaria de algum tempo para se afazer à claridade da região superior. Primeiramente, só discerniria bem as sombras, depois, as imagens dos homens e outros seres refletidos nas águas; finalmente erguendo os olhos para a lua e as estrelas, contemplaria mais facilmente os astros da noite que o pleno resplendor do dia.
GLAUCO - Não há dúvida.
SÓCRATES - Mas, ao cabo de tudo, estaria, decerto, em estado de ver o próprio sol, primeiro refletido na água e nos outros objetos, depois visto em si mesmo e no seu próprio lugar, tal qual é.
GLAUCO - Fora de dúvida.
SÓCRATES - Refletindo depois sobre a natureza deste astro, compreenderia que é o que produz as estações e o ano, o que tudo governa no mundo visível e, de certo modo, a causa de tudo o que ele e seus companheiros viam na caverna.
GLAUCO - É claro que gradualmente chegaria a todas essas conclusões.
SÓCRATES - Recordando-se então de sua primeira morada, de seus companheiros de escravidão e da idéia que lá se tinha da sabedoria, não se daria os parabéns pela mudança sofrida, lamentando ao mesmo tempo a sorte dos que lá ficaram?
GLAUCO - Evidentemente.
SÓCRATES - Se na caverna houvesse elogios, honras e recompensas para quem melhor e mais prontamente distinguisse a sombra dos objetos, que se recordasse com mais precisão dos que precediam, seguiam ou marchavam juntos, sendo, por isso mesmo, o mais hábil em lhes predizer a aparição, cuidas que o homem de que falamos tivesse inveja dos que no cativeiro eram os mais poderosos e honrados? Não preferiria mil vezes, como o herói de Homero, levar a vida de um pobre lavrador e sofrer tudo no mundo a voltar às primeiras ilusões e viver a vida que antes vivia?
GLAUCO - Não há dúvida de que suportaria toda a espécie de sofrimentos de preferência a viver da maneira antiga.
SÓCRATES - Atenção ainda para este ponto. Supõe que nosso homem volte ainda para a caverna e vá assentar-se em seu primitivo lugar. Nesta passagem súbita da pura luz à obscuridade, não lhe ficariam os olhos como submersos em trevas?
GLAUCO - Certamente.
SÓCRATES - Se, enquanto tivesse a vista confusa -- porque bastante tempo se passaria antes que os olhos se afizessem de novo à obscuridade -- tivesse ele de dar opinião sobre as sombras e a este respeito entrasse em discussão com os companheiros ainda presos em cadeias, não é certo que os faria rir? Não lhe diriam que, por ter subido à região superior, cegara, que não valera a pena o esforço, e que assim, se alguém quisesse fazer com eles o mesmo e dar-lhes a liberdade, mereceria ser agarrado e morto?
GLAUCO - Por certo que o fariam.
SÓCRATES - Pois agora, meu caro Glauco, é só aplicar com toda a exatidão esta imagem da caverna a tudo o que antes havíamos dito. O antro subterrâneo é o mundo visível. O fogo que o ilumina é a luz do sol. O cativo que sobe à região superior e a contempla é a alma que se eleva ao mundo inteligível. Ou, antes, já que o queres saber, é este, pelo menos, o meu modo de pensar, que só Deus sabe se é verdadeiro. Quanto a mim, a coisa é como passo a dizer-te. Nos extremos limites do mundo inteligível está a idéia do bem, a qual só com muito esforço se pode conhecer, mas que, conhecida, se impõe à razão como causa universal de tudo o que é belo e bom, criadora da luz e do sol no mundo visível, autora da inteligência e da verdade no mundo invisível, e sobre a qual, por isso mesmo, cumpre ter os olhos fixos para agir com sabedoria nos negócios particulares e públicos.

Extraído de "A República" de Platão . 6° ed. Ed. Atena, 1956, p. 287-291


História da Filosofia Antiga – Johannes Hirschberger
ε) Mito da caverna de Platão

— Platão explicou muito claramente os seus pensamentos sobre a verdade e a realidade pelo célebre Mito da caverna, no 7.º livro da República (514 ss.).

αα)    Modos de ser.

— Conosco homens, aí se diz, se passa o  mesmo que com prisioneiros, que se achassem numa caverna subterrânea, encadeados, desde o nascimento, a um banco, de modo a nunca poderem voltar-se, e assim só poderem ver a parrede oposta â entrada. Por detrás deles, na entrada da caverna, corre por toda a largura dela, um muro, da altura de um homem: e. por trás deste, arde uma fogueira. Se entre esta e o muro passarem homens transportando imagens, estátuas, figuras de animais, utensílios etc, que ultrapassem a altura do muro, então as sombras desses objetos, que o fogo faz aparecerem, se projetam na parede da caverna, e os prisioneiros também percebem, além da sombra, o eco das palavras pronunciadas pelos homens que passam. Como esses prisioneiros nunca perceberam outra coisa senão as sombras e o éco, têm eles essas imagens pela verdadeira realidade. Se eles pudessem, por uma vez, voltar-se e contemplar, á luz do fogo, os próprios objetos, cujas sombras foram apenas o que  até  agora viram;   e  se pudessem  ouvir   diretamente  os uns,  além dos ecos até então ouvidos,  sem dúvida ficariam atônitos com essa nova realidade. Mas se além disso pudessem, fora da caverna e à luz do sol, contemplar os próprios homens vivos, bem como os animais e as coisas reais, de que as figuras projetadas na caverna eram apenas cópias, então ficariam de todo fascinadas com essa realidade de forma tão diversa. Mas, se contarem aos prisioneiros, que permaneceram na caverna, que o que eles ouvem e vêem não é a legítima e verdadeira, realidade, por certo não o acreditariam eles e acabariam por zombar dos primeiros. E, se porventura alguém tentasse libertar os prisioneiros e trazê-los à luz do verdadeiro mundo,   isso  também  poderia   custar-lhes  a  vida.

ββ) O verdadeiro ser.

— E, contudo, é necessário que saiam da caverna as prisioneiros. É dever primário do filósofo libertar o homem do mundo das aparências e das imagens, e conduzi-lo à visão do verdadeiro ser. Este verdadeiro ser não é, por certo, o chamado inundo real, espácio-temporal, iluminado pelo sol da terra. Este é apenas uma cópia. O verdadeiro mundo real é somente o ‘ das Idéias. Uma primeira \ cópia dele, correspondente aos objetos projetados na parede da caverna, é o inundo espácio-temporal. Uma cópia deste último grau do ser e, então, propriamente, cópia de uma cópia, correspondente à sombra na muralha, é o mundo da imitação.

γγ) "Hypothesis".

— O âmago de toda esta comparação é não somente o pensamento de que há diferentes planos de seres, mas o outro pensamento, de que, aqui, um plano repousa sobre o outro: a realidade das sombras se apoia no ser espácio-temporal do mundo físico real; este, por sua vez, descansa no ser ideal. Aquilo sobre o que uma coisa repousa e somente mediante isto ela pode ser pensada e ter existência, é, para Platão, um "pressuposto" (υποθησιζ), i. é, um ser que deve começar por ser posto, para que mais um outro ser deva. existir. Para Platão, hipótese (υποθησιζ) também significa, muitas vezes, uma proposição aceita provisoriamente; mas na sua antologia hipótese é o fundamento do ser. Se há um ανυποθετον, há também um υποθετον e há υποθεσειζ. A idéia é, aqui, o mais importante.


ζ) O absoluto.

— O pensamento da hipótese não se limita à relação dos planos do ser entre si, mas se refere à relação das Idéias umas para com as outras (Rep. 509 ss.). Há Idéias subordinadas, que são pendentes das sobreordenadas, que lhes servem de fundamento e de suporte. Mas sempre várias Idéias subordinadas têm, nas suas superiores, a sua pressuposição e o seu fundamento; e dessas Idéias sobreordenadas, por sua vez, várias se fundem em Idéias ainda mais amplas e altas. Donde, como numa árvore genealógica, as Idéias que servem de suporte às outras tornam-se cada vez menos numerosas, mas por isso mesmo de maior virtude, pela sua mais vasta extensão e compreensão. E, assim, chegamos finalmente ao vértice da pirâmide, á Idéia das Idéias, donde todas as outras dependem, pois ela, abrangendo-as a todas, também as funde todas em si.

αα) A Idéia das Idéias.

— Como o Sol, no reino das coisas visíveis, empresta a todas elas o ser, a vida e a cognocibilidade, assim, no reino do invisível, a Idéia das Idéias também empresta a todos os seres a sua essência e a sua cognoscibilidade. Mas, ela mesma de nada depende. É o absoluto (ανυποθετον: Rep. 510 b; 511b), auto-suficiente (ιχανον: Fédon, 101 e).

http://www.consciencia.org/resumo-do-mito-da-caverna-de-platao-historia-da-filosofia-antiga


 


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